EscreVER

Entrei na História

               A semana estava sendo de difícil produção pra mim e sentia uma leve pressão no trabalho. Meu gerente fazia questão de me lembrar isso a todo o momento. Ele usava um método, em minha opinião não muito adequado, para me incentivar, segundo ele. Dizia todos os dias e o tempo todo, que eu jamais entraria para a história da empresa se continuasse com a produção naquele ritmo. Ele mandava memorandos, mensagens via whatsapp, recados por colegas e emails dizendo que eu tinha que me esforçar mais, que eu era capaz. Sempre que eu passava por ele nos corredores, ele fazia questão de apontar para a parede que exibia os quadros das pessoas mais influentes da empresa. Eu trabalhava ali há pelo menos dez anos a mais do que ele e minha foto ainda não havia sido exibida no quadro. Já a dele, já estava na fileira dos quadros fixos, eméritos da empresa. Em um determinado momento do dia me chamou até sua sala e pediu que no dia seguinte eu voltasse com o meu melhor terno, pois tiraria minha foto e mandaria preparar o meu quadro. Estava acreditando em mim e garantiu que me ajudaria a ter, no final daquele mês, o meu quadro. Na verdade ele queria aquilo muito mais do que eu.

               Saí para almoçar com Maria, uma colega de trabalho, contei para ela e a mulher me disse que eu precisava ser mais consistente no trabalho, que eu alcançaria a meta. Contei para Maria que nunca tinha sido minha meta, que a satisfação pessoal não passava por um status a ser alcançado. Afinal de contas eu não tinha que impressionar ninguém além de mim mesmo. Ela me contou que a impressão que os diretores tinham de mim era de um homem fraco! Com potencial, mas sem a coragem necessária para fazer o que tinha que ser feito. Ela, também acreditava que eu era capaz de ser um homem memorável na empresa, mas tinha que fazer algo que ninguém jamais havia feito antes. Eu tinha que me destacar de alguma maneira, me reinventar, senão eu seria sempre alvo dos nossos superiores ou poderia deixar o quadro de funcionários a qualquer momento. Fui para casa pensando em tudo o que Maria havia me dito. Coisa chata ter que alcançar um status imposto pelas pessoas e pela profissão que escolheu para si. A satisfação de fazer o que ama é, sem dúvidas, o maior prêmio que alguém deveria almejar. Mas, ainda assim, decidi que trabalharia mais durante aquele mês e começaria naquela semana. Entregaria resultados melhores e mostraria toda minha vontade e coragem. Chega de ser um covarde! Eles estavam tirando o pé do pescoço do tigre naquele momento.

               Não que eu acredite em superstições, mas era sexta-feira 13, e como se isso não bastasse, o segundo dia de lua cheia! Durante o almoço eu tinha topado em uma pedra na calçada que me deixou mancando por algum tempo. Fora um chute bem dado em uma pedra no caminho. Eu faria hora extra mais uma vez naquela mesma semana. Estava focado! Olhei para o relógio digital, posicionado estrategicamente acima da única porta daquela sala. Conferi o horário com o do computador e do meu relógio de pulso. A noite estava ainda começando. Eram 19:35h e a luz da lua iluminava parte das mesas vizinhas à minha. Fechei as persianas para a tentação da noite carioca não me tirar do foco. Os bares estavam abarrotados nas calçadas do Centro. Os faróis dos carros a estacionar formavam fila nas calçadas, mas a pilha de papel continuava grande em minha mesa e eu estava decidido a, desta vez, não levar trabalho para casa. Minhas filhas já tinham programado todo o final de semana para mim. Faríamos um passeio incomum. Ouvi-aselas falando de um acampamento. Bom, se fosse isso mesmo, seria muito incomum. Eu detestava sair da minha rotina e detestava a sensação de não saber o que estava rolando a minha volta. No meio do mato isso estaria em evidência. Afastei a cadeira, cruzei os dedos das mãos sobre o alto da cabeça e estiquei as costas.

          Levantei-me e, depois de ter alongado o restante do corpo, tirei os sapatos, e o dedão continuava a latejar me incomodando. Desafivelei o cinto e desabotoei dois botões de minha camisa. Caminhei então em direção à Copa. Preparei a cafeteira para mais um ciclo e, parado sob o umbral da porta, verifiquei o quão sinistro era o escritório vazio. Alguns cantos da sala estavam no escuro. Trocar a iluminação tradicional por sensor de presença tinha seus pós e contras. Parecia sempre que estávamos sem luz quando o movimento caía. Mas a lâmpada acima da cadeira de Renato oscilava, modulando a intensidade e o tamanho das sombras projetadas dos objetos de sua mesa. Renato tinha um gosto estranho. Em sua mesa tinha um pêndulo de Newton que levava mais de uma hora para parar. O tilintar das esferas de metal causava agonia. Coisas do chefe... Tinha também um suvenir do Cristo Redentor, que ele adaptou uma capa de super herói com uma mini bandeira do Corinthians. Ele fazia questão de ser um autêntico paulista no antro do Rio de Janeiro. Mas o que mais incomodava era o paletó deixado pendurado na cadeira. Isso ratificava duas coisas: que parecia sempre que tinha alguém sentado na cadeira e, que ele era do tipo "faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço". Renato era o gerente de operações do andar e, o primeiro a repudiar os colegas que deixavam roupa no trabalho, até mesmo na hora do almoço.

               Enquanto a cafeteira terminava o processo, eu me atentei para o quadro de avisos fixado na parede, na minha frente. Há tempos eu não lia nada ali, pois recebíamos por email todos os memorandos mais importantes. No entanto ali no quadro, por exemplo, tinha informações mais informais, tais como os aniversariantes do mês. Era meu aniversário. Imediatamente liguei a data aos planos de minhas filhas em me tirar de casa no final de semana. E, recentemente, fora o de Maria também. Inclusive, eu tinha almoçado com ela no dia, mas a data não tinha vindo a minha mente. Gafe! Talvez eu devesse ler o quadro com mais freqüência... Seria legal me retratar com ela? Não sei... Talvez continuar "sem lembrar" fosse o mais sensato a fazer agora. Adocei o café e voltei para a minha mesa com uma generosa xícara e, com a determinação de me levantar novamente apenas quando tivesse terminado tudo. A caminhada foi firme depois de apagar a luz da copa. E foi nesse instante que ouvi um barulho.

               Por pouco não deixei a xícara escapar de minhas mãos. Meus olhos correram toda a sala em busca de evidências que justificassem aquele som. A mesa de Renato estava entre eu e minha mesa e quando passei por ela, mancando levemente, o paletó não estava mais lá e, nitidamente a cadeira estava fora da posição anterior, além de estar se mexendo levemente, como se alguém tivesse acabado de girá-la. Um arrepio involuntário percorreu todo o meu corpo e os batimentos aceleraram. A lâmpada que até então modulava, apagou de vez. Engoli uma grande quantidade do líquido ignorando a temperatura e caminhei para minha mesa. Então me sentei... Assim que toquei no mouse para voltar ao trabalho, um telefone tocou. Era justamente o da mesa de Renato. Naquele momento eu fiquei sem reação. A persiana balançou como se um vento tivesse sido responsável por isso, mas os vidros estavam praticamente todos fechados. Imediatamente e controlando agora minha respiração, salvei o meu arquivo e desliguei apenas o monitor. Tive agora a sensação de ouvir passos apressados no corredor. Comecei a orar imediatamente.

               Peguei meu celular e o mesmo estava agora sem sinal nenhum. O vento misterioso agora fez balançar a folha do tradicional calendário de parede. Assim que olhei, a orelha da folha onde marcava sexta-feira 13 estava voltando para o lugar. Fiz o sinal da cruz para espantar qualquer coisa que estivesse se formando em minha cabeça. Eu não tinha medo dessas lendas urbanas, mas também não assistia filmes de terror porque me impressionava fácil demais com as coisas. Sorri sozinho, não sei se de medo ou nervoso, mas aquilo tudo era ridículo e eu só queria ir para casa. E de fato, não levaria trabalho para o final de semana. Já mencionei que gosto de ter tudo sobre controle à minha volta, certo? Corri até a Copa, desliguei a cafeteira, calcei os sapatos com muito cuidado e prendi o cinto novamente. Decidi ir embora. Pensei nas escadas, mas o escritório ficava no 12° andar e o caracol vertical que os degraus formavam me dava vertigem durante o dia. Com o pé machucado e à noite... Ta aí os contras do sensor de presença! Apertei o botão do elevador, estava ansioso e enquanto o aguardava, tive a sensação de ouvir mais passos nos corredores e pessoas sorrindo. Engoli em seco e passei a mão no rosto. Voltei com as orações em silêncio. Eu estava em pânico. A cena da folha do calendário balançando não saía da minha cabeça. O barulho do elevador subindo me dava alívio e apreensão ao mesmo tempo. Assim que as portas se abriram, eu me certifiquei de que o elevador estava no andar. Como se meus olhos pudessem me trair, atirei minha pasta no elevador. Ela bateu no chão do mesmo fazendo um som oco. Só então tive coragem de colocar um pé e depois o outro. Apertei o botão para o estacionamento diversas vezes, como se isso fosse acelerar o processo. Durante a descida fui sentindo um alívio gradativo enquanto uma tela de led exibia anúncios durante a viagem. O tremor de minhas pernas quase comprometia todo o meu corpo que, aos poucos fraquejava. Agora, eu estava de olhos fechados e contando até dez em silêncio. Sabe o lance das superstições? Algumas pareciam fazer sentido. Parecia estar me acalmando, mas assim que a porta se abriu no andar e abri os olhos, dei de cara com aquele homem! Que susto da porra! Ele estava com um sorriso medonho no rosto. O medo ou instinto de defesa foram os responsáveis pelo ato seguinte. Sem pensar nas conseqüências, eu arranquei a tela da parede do elevador sem muita dificuldade e golpeei o homem na cabeça diversas vezes, até meu corpo descarregar toda a adrenalina produzida nos minutos anteriores.

               Meu pé parecia que ia cair. O batimento acelerado aflorava no dedão machucado, mas ainda assim eu dei um chute ali naquele corpo moribundo. Meu chefe estava caído agora, e como se isso não bastasse, a porta do elevador começou fechar, mesmo com o corpo dele caído metade no corredor e metade no elevador. Ficou naquele ciclo de abre e fecha. Eu arfava ao mesmo tempo em que sentia um alívio. Talvez o medo tivesse me deixado naquele minuto. Olhei para aquele rosto ensangüentado, e eu era o autor. Rapidamente a ficha caiu. Eu era o autor de um crime! Por um momento me desesperei, mas logo o desespero deu lugar novamente ao alívio e até a uma satisfação. Estava confuso e até pensei em fugir. Olhei para a câmera de segurança do elevador e foi neste momento que as luzes se acenderam e eu vi mais de 30 colegas, estupefatos com o que tinham acabado de presenciar. De fato, o elevador tinha parado ainda no 3° andar, refeitório. Parecia que ia rolar uma festa ali. Olhei para àquelas pessoas, todas de olhos arregalados e ombros caídos, uma a uma, até que li uma faixa onde estava escrito "Feliz Aniversário Igor". Era meu aniversario! Dei dois passos a frente saindo do elevador e algumas pessoas recuaram. Vi três pessoas chegando pela porta de emergência. Certamente eram delas os passos que ouvi minutos antes no corredor. Elas estavam com garrafas de cerveja e uma delas tinha um embrulho nas mãos.

               Ninguém disse uma palavra sequer. As pessoas estavam em choque e Maria foi a única a se mover. Ela pegou sua bolsa e dela tirou o celular. Disse que ligaria para pedir socorro médico, mas antes que ela discasse os números eu pedi que ela abrisse a câmera do seu celular. A mulher, com medo, não hesitou em me atender. Eu procurei um bom pedaço de vidro quebrado, ajeitei o cabelo e posei um belo sorriso para a câmera. Ela tirou uma única foto que eu pedi para ver. Ela me passou o celular e eu admirei o resultado. Gargalhei e bati palmas, sozinho e muito satisfeito... Era uma foto muito boa. Eu olhei para todos, para alguns diretores que ali estavam somente por conta da festa e disse: Entrei pra história! Façam um quadro desta foto e coloquem naquela parede que tantos de vocês almejam estar! Renato me pediu que eu viesse com minha melhor roupa hoje. Ele tinha razão quando disse que me ajudaria nessa tarefa!

               Todos se olharam, eu puxei uma cadeira, me sentei e pedi que partissem o bolo antes que me levassem. Afrouxei a gravata e retirei os sapatos mais uma vez. Não demorou pra eu ouvir sirenes distintas... Paramédicos e Polícia.

Eduardo Saavedra


Confinamento

               Igor passou maior parte da noite em claro. Pela manhã ainda estava de olhos abertos e com o coração acelerado. Levantou e esticou o lençol sobre o seu espaço. Sentia-se um tanto quanto privilegiado em ter um lençol. O já senhor passou as mãos pela última vez naquelas grades que o acompanharam por tanto tempo. Todos os dias ali dentro pareciam exatamente iguais. Era sempre uma busca pela sobrevivência, um equilíbrio pra viver em sociedade sem mostrar as diferenças que pudessem gerar algum transtorno. Mas, na monotonia, ele tinha lembranças do único dia em que tudo fora diferente, quando entrou. Tinha planos, projetos e pessoas que o esperavam em casa, mas por um descuido, tudo fora adiado por esse longo tempo. Talvez as pessoas que o esperavam antes já não tivessem mais disponíveis ou interessadas. Alguns dos projetos ele já tinha aberto mão. A maioria deles, se executados no tempo certo, já estariam dando os frutos. Não era hora de tentar mais nada. Igor estava feliz, mas perdido naquele dia. Ouviu os passos do mesmo coturno no corredor, mas evitou respirar fundo. Seu sistema respiratório já tinha adaptado uma respiração curta, apenas de sobrevivência, para evitar o odor que exalava daqueles corredores fétidos.

               O agente carcerário apareceu com um meio sorriso no rosto. Mostrava satisfação e respeito. À margem da sociedade, todos estavam ali para pagar pelos erros que um dia tinham cometido. Mas na verdade, ali havia muita história. Das mais variadas. Igor perdeu a conta das noites que ele tinha passado acordado ouvindo. E, a história de Igor era uma destas, memoráveis! Um homem que fora íntegro na maior parte de sua vida e cometera um único erro. Laudos médicos e bons advogados não foram convincentes a ponto de impedir um juiz de decretá-lo a esse confinamento de 30 anos. O som dos passos deu vez ao do cadeado deixando o trinco, e a grade se abrindo causou esperança, mas também medo em Igor. Ele não sabia como o mundo do lado de fora o esperava. Ele estivera "livre" por 30 anos. Ali ele era respeitado, visto de modo igualitário aos demais e recebia as mesmas condições que todos a sua volta.

               Igor aprendeu durante sua pena que todo ser humano é falho, toda falha tem suas conseqüências que, variam de acordo com a gravidade da falha. Mas era hora de deixar o presídio. Sua pena tinha acabado. Finalmente ele seria livre e poderia deixar esse confinamento que muitas pessoas não almejam e não fazem ideia do que é de fato. O agente acompanhou o senhor até uma sala onde ele recebeu seus pertences do dia em que entrou ali. Um terno, novo trinta anos antes, um relógio e sua carteira. O homem abriu a carteira e viu R$17 e duas fotos 3x4 de suas filhas. O tempo havia passado, mas não fora cruel com as meninas. A mais velha tinha o visitado cinco vezes durante esses trinta anos de reclusão. A mais nova tinha se mudado para outro país. Estava casada com um cirurgião e era mãe de um casal de gêmeos. Igor expulsou seu pensamento antes que uma lágrima escapasse pelo rosto. Igor tinha se tornado um homem duro e jamais havia chorado ali dentro. Isso mostrava fraqueza para os companheiros. Muitos o admiravam e tinham nele um espelho. Mas espelho era exatamente o que Igor tinha evitado todo esse tempo. O agente, percebendo a emoção do homem, disse que ele podia ir até o banheiro para lavar o rosto e se vestir adequadamente, caso quisesse. Com o terno ainda em mãos ele julgou se ainda lhe serviria. Pelo sim, pelo não, ele disse que iria tentar.

               Ao atravessar a porta do banheiro, foi inevitável a reação de Igor. Ele ficou muito chocado com as marcas que o isolamento havia lhe proporcionado. Ele não tinha noção do quanto havia envelhecido. Olhava sempre para as mãos, para os pés e via a pele ficando enrugada e flácida, mas por algum motivo achou que seu rosto estaria preservado das ações do tempo. O homem, evitando encarar-se por muito tempo, trocou de roupa. A calça parecia não lhe servir mais... A perna da calça não alcançava mais os pés e na cintura lhe sobrava mais de três dedos. Ele estava muito magro. O terno lhe parecia curto nas mangas. Os cabelos, já grisalhos, continuavam cheios demais. Igor sempre fora vaidoso com os cabelos, mas não se lembrava de tê-los daquela cor. O homem estava se redescobrindo! E isso lhe arrancou, espontaneamente, um sorriso. Mais um choque! Os dentes de Igor estavam amarelados. Muito mal cuidados... Resultado dos últimos vinte anos que fumou quase um maço por dia. O homem parecia decepcionado com si mesmo. Talvez não estivesse pronto para encarar a vida do lado de fora... Ele não queria que suas filhas o vissem naquele estado. Pegou a carteira mais uma vez e conferiu a aparência das filhas. Jamais diriam que ele era pai delas. A demora de Igor no banheiro levou o agente carcerário até lá. Sem bater na porta ele adentrou o espaço e perguntou ao homem se estava tudo bem. O homem virou-se para ele e, ironicamente perguntou: "como se atreve a me fazer estar pergunta? Olhe para mim..." O agente não quis ser indelicado dizendo que essa imagem era a mesma de pelo menos dez anos antes, mas tinha que dar uma notícia para Igor. O agente disse que não tinham localizado nenhuma das filhas dele. Não tinha ninguém esperando por ele do lado de fora no dia de sua saída. Igor caminhou até o homem, bateu com a palma no peito dele amistosamente e disse que isso era bom. Que ninguém merecia estar com ele naquele estado.

               De volta à sala onde estava, foi lhe dada uma caneta, para que Igor assinasse o seu nome. O senhor parecia uma criança segurando um brinquedo novo. Há tempos não escrevia nada e a caligrafia lhe pareceu medonha. Ele estava envergonhado. Foi acompanhado até a saída e o desespero bateu quando ouviu o portão correr atrás de si. Finalmente ele estava solto. Tinha um mundo inteiro na sua frente, ainda que ele não soubesse o que ia fazer dali para frente. Tinha em mãos agora também um pedaço de papel com um número de telefone. Era de Luana, sua filha mais velha. Igor precisava sair do lugar... Começou uma caminhada sem rumo pelas calçadas que faziam o perímetro do presídio. Avistou do outro lado da rua, uma pensão. Conferiu seus R$17 e decidiu almoçar. Parou na calçada e leu uma placa com as opções. Teve vergonha de sorrir, mas foi cortês com o rapaz que veio lhe cumprimentar. O rapaz puxou uma cadeira para o senhor e lhe perguntou se estava tudo bem. Ele não entendeu muito bem a pergunta... Será que aos olhos das pessoas ele não parecia bem? Igor disse que tudo ficaria bem. Pediu um bife com batata frita e salada. A primeira garfada lhe pareceu esquisita... Sua memória gustativa agiu rápido ao gosto das batatas, mas elas estavam com sal, assim como o bife. O tradicional feijão com arroz tinha um tempero. Igor sentiu uma enorme satisfação ao comer. Depois que o fez, ele chamou o rapaz e perguntou se ele poderia fazer uma ligação. O garoto achou o pedido um tanto inusitado, mas não teve coragem de negar o pedido daquele senhor gentil. Igor pediu que o rapaz discasse os números e depois pegou o telefone de suas mãos...

               O coração estava palpitante e ele não tinha a menor ideia do que ia falar quando Luana atendesse. Depois do quarto toque a mulher atendeu. Um espaço de tempo foi necessário para que ele reprimisse mais uma vez a emoção antes de falar. Igor contou para a filha que finalmente ele estava livre, que tinha deixado o presídio e estava almoçando em uma pensão. O pai, disse para a filha que precisava de sua ajuda. Ele não tinha para onde ir, não tinha dinheiro guardado e talvez nem soubesse mais andar pela cidade. Perguntou se a filha poderia buscá-lo. Para a surpresa do homem, a filha não parecia estar preparada para mudar sua rotina e inseri-lo em sua vida. Ela tinha uma consulta médica em uma hora. Ele sugeriu esperar por ela, depois da consulta, mas entendeu que Luana inseriu mais um monte de empecilhos para não assumir esse "compromisso". O homem então disse para a filha que não queria atrapalhar a vida dela e desligou. Por um momento uma raiva lhe tomou o peito, mas ele tentou entender que ele havia parado no tempo, mas que a vida continuou para todos. Chamou o rapaz e lhe entregou o telefone. Este rapaz teve a sensibilidade de entender que não estava tudo bem com o senhor e, sem permissão, sentou-se de frente para o velho. Uma mulher, que parecia ser superior do rapaz lhe chamou atenção. A pensão estava cheia, e ele não podia se sentar com um cliente. Igor então começou a entender o quão as pessoas estavam frias umas com as outras. Não havia empatia da parte de ninguém, e quem tentava ter era duramente reprimido. Ele meteu a mão no bolso do terno e deixou R$15 para pagar o almoço, e o trocado ele deu ao rapaz, que lhe agradeceu muito. Mas o rapaz sabia que toda a quantia não era suficiente nem para pagar o almoço.

               Um homem, que estava na mesa do lado, pareceu se incomodar com o senhor. Levantou-se e rispidamente disse que o velho era um ladrão. Disse tê-lo visto saindo do presídio minutos antes e que tinha certeza de que ele não era apenas um visitante. O homem estava indignado porque o senhor teve coragem de, mesmo sem dinheiro, sentar para almoçar em uma pensão repleta de pessoas... Com muita astúcia, o rapaz disse que o senhor já tinha pagado pelo almoço, mas o homem estava decidido a não deixar morrer ali o assunto. Ele fez questão de ressaltar o valor do almoço e o valor que o velho tinha deixado ali. O rapaz então se colocou frente ao homem e disse que o senhor era seu convidado e que o almoço dele era por sua conta. O homem continuou em sua reclamação, fazendo um alarde no estabelecimento. Recluso, de ombros encolhidos, o velho estava assustado mais uma vez com as pessoas. O mundo tinha mudado e a sua geração talvez não fosse se adaptar ao novo. Ainda mais no caso dele, que não acompanhou de perto a evolução das coisas. Neste momento ele deixou a emoção tomar conta. Iniciou um choro sem precedentes, incontrolável. Isso pareceu incomodar ainda mais o homem que, tentava ser acalmado por mais clientes que ali dividiam o espaço.

               Na mente do velho, ser ignorado pela filha, ser julgado por uma pessoa que nem o conhece fora algo muito perturbador. O choro levou algum tempo, mas deu lugar a uma força que ele não sabia que tinha. Lembra das conseqüências dos erros? Aquele homem precisava ser castigado e Igor começou a trabalhar somente isso em sua mente. Quando os ânimos pareciam estar mais calmos, ele chamou o rapaz e pediu que lhe servisse um refrigerante. O velho esperava pela reação do homem. Era exatamente o que ele queria para lhe ensinar uma lição que serviria de exemplo para todos ali. Depois de ser servido, ele serviu mais um copo, se levantou e foi até a mesa do homem. Todos assistiam o que estava por vir. Igor colocou o copo cheio na frente do homem e disse que ele tinha razão. Ele acabara de sair do presídio, estava sem rumo e não sabia o que ia fazer da sua vida. O homem não entendia o que o velho queria com aquilo, mas o velho continuou dizendo que ele errara apenas em uma coisa. Ele não era ladrão. Ele fora preso por ter cometido um assassinato.

               O homem quase engasgou neste momento. Igor continuou dizendo que ele poderia não fazer mais parte daquele mundo, e que o seu período de confinamento lhe tinha deixado marcas que a sociedade nunca perdoaria. Dito isto, ele jogou todo o líquido do copo no rosto do homem que tentou se levantar. Mas antes que pudesse, Igor quebrou o copo no rosto do homem. Desta vez ele não descarregou toda a sua raiva como há 30 anos, mas fez questão de explicar para todos ali que o confinamento do lado de fora daqueles muros era muito maior, muito mais perigoso do que do lado de dentro. Lá, ele nunca fora julgado por suas ações...

              Igor puxou uma cadeira e pediu ao jovem rapaz que fosse até o portão do presídio e contasse o que acabara de ver. Ele queria novamente o confinamento construtivo.

Carlos Eduardo Saavedra

Desabafo

Definitivamente não estou nos meus melhores dias. Aliás, dias melhores é sempre o que eu espero.... Meu cérebro processa tantas informações ao mesmo tempo em que meu semblante cai, muda a ponto das pessoas ficarem me questionando o que está acontecendo comigo. Infelizmente o mesmo que acontece todos os anos, nessa época. E ninguém pode mudar por mais que queira me ajudar. É uma coisa individual que eu sinto e que não gosto de dividir e quem sabe talvez contagiar a pessoa que estiver disposta a me ajudar, com meus problemas. É por isso que todo o tempo eu desabafo comigo mesmo. Minhas palavras são minhas melhores amigas e são diversas. Ninguém consegue me decifrar melhor do que elas. Mais um ano que se inicia, mais um Natal que passou e eu fico me questionando o nível de produtividade do ano em curso. Trezentos e sessenta e cinco dias.... E o que eu fiz para mudar o meu status? Minhas expectativas para o "ano novo" são sempre as mesmas porque em nenhum ano eu consigo realizar tudo o que pretendo. Não é nada absurdo o que eu pretendo ter e/ou ser! Entendo que todos nós temos tempos diferentes, e nem sempre os nossos planos são os melhores para a execução. Deus tem planos melhores para nós, mas esperar é complicado. Ainda mais quando por perto, vemos nossos amigos em progresso, conquistando suas metas antigas e traçando novas! Esse ano eu não quero criar nenhuma expectativa para não ter que, de repente, mais uma vez me frustrar por não conseguir alcançá-la. Não que eu vá passar a viver sem sonhos, mas o meu maior sonho agora é, colocar os dois pés no chão e traçar um caminho com Deus. Conquistas e alegrias certamente virão com o tempo. Por hora, é preciso ter fé que no final tudo vai dar certo. Continuar uma vida a dois e afunilar todos os focos para isso. Todas as nossas conquistas, as nossas lutas e as nossas decepções serão de grande valia, quando finalmente pudermos encher a boca para dizer que valeu a pena. E mesmo que não cheguemos lá, o simples fato de ter lutado bravamente com todas as nossas forças, será recompensado pelo Deus criador de tudo, pois Ele é um Deus fiel nas suas promessas. O sentimento que circula agora dentro de mim talvez seja desânimo, mas assim que eu terminar de expressar todas as palavras que eu quero, eu tenho o poder de mudar isso. Por hora, ele quase me contagia por completo, me forçando a desistir, mas o que me coloca de novo "na briga" é o sorriso das pessoas que amo e a gana de poder proporcionar para minha família uma vida melhor, e para meus futuros filhos, tudo aquilo que eu não tive.

Viver em um mundo de "faz de contas" onde não existe nenhuma varinha mágica.... As armadilhas estão espalhadas por toda a parte e desviar de todas elas nem sempre é possível. Eu sei que lamentar nao adiantará em nada e que tenho mesmo é que "correr na frente" porque "correr atrás" sempre me colocar em segundo lugar, e eu quero ser o primeiro. Eu mereço isso! Não para ostentar nada, apenas para provar para mim mesmo que eu sou capaz de vencer, apesar de todos os obstáculos que tenho encontrado no caminho. Quero fazer isso por mim, pela minha família, pela minha esposa e filhos. Quero poder andar de cabeça erguida e ser exemplo de superação. Que o ano de 2018 possa me trazer sabedoria! Acho que essa é a palavra certa. Sabedoria para viver, para ouvir Deus falando, para saber onde pisar, para entender as dificuldades e delas tirar proveito. Fé. Acreditar no único que pode me levar ao alcance de tudo isso. Preciso estar mais envolvido com as obras de Deus. Estar mais perto e colocá-lo a frente de tudo. Bom.... Já estou eu aqui me contradizendo e fazendo planos para o futuro. Quero apenas viver um dia melhor do que o outro. Obrigado Deus, por tudo o que me destes até aqui e me perdoe porque estimo sempre mais e esqueço de agradecer pelo que já tenho. Dê-me um pouco mais de força de vontade e eu chegarei lá, com a sua ajuda. Fica comigo Pai. Quero te sentir mais perto. Me sentir protegido e confiante para encarar de frente a vida por aí nesse mundo tão injusto, tão desleal. Contigo eu posso tudo! Permita que eu abra meu coração para ti. Eu acredito e quero ter mais fé. Quero ver o teu milagre também em minha vida. Eu sempre fui um menino tão tranquilo.... Eu sei que o meu maior presente (Karim) foi tu que me deste. Eu quero sabedoria, condições para cuidar desse presente tão caro, tão precioso. Tu sabes o que sinto nesse momento. Me conheces porque me criastes. Conheces os meus medos, minhas aflições, meus pecados e meus dons. Ajude=me a encontrar e desenvolver o meu chamado.


Dudu Saavedra            17/12/2017             22:00h


N9ve

Eram nove! Lembro-me perfeitamente daquele dia! Dia nove, mês nove, às nove da noite e éramos nove casais na praia. As pessoas nunca ligaram muito essas coincidências, mas eu, sempre muito místico, tentava entender alguma mensagem nisso tudo! Não havíamos combinado nada e todas as circunstâncias nos levavam ao número nove. O mar a nossa frente parecia estar revolto, pois as ondas quebravam fortes e o som que vinha da ação das mesmas era alto. A lua estava lá.... Tudo aparentemente perfeito para o nosso luau. Os meninos tiraram seus violões das capas e sentamos todos na areia, formando um enorme círculo. Na imensidão escura do mar, era possível ver nove pontos luminosos ao longe. alguns maiores, outros bem pequenos, mas não fugia ao número nove. Comentei com um amigo a respeito do número e mostrei para ele todos os indícios, mas ele cético, disse para eu não me preocupar, que era apenas uma grande coincidência e voltou a cantarolar as músicas. Tentei então me distrair e participar mais do luau, mas o quinto ímpar continuava na minha cabeça. Ah, ainda tinham nove barracas, uma vez que éramos nove casais. A noite foi ficando fria na beira da praia e a pequena fogueira ali acesa já não era suficiente para nos aquecer. Começamos a nos recolher e então antes de entrar na minha barraca, fui até o calçadão dar uma última olhada na orla. Nove mendigos numa marquise, o termômetro marcava naquele momento dezenove graus e o único carro que tinha por perto parado, tinha o número nove no final da placa. Passei a contar tudo no meu campo de visão e algumas coisas se agrupavam em nove! Mas fiquei mais impressionado quando vi na minha frente um pedaço de papelão. Nele uma anotação.... IXI 9999. "IX" é a representação do número nove no alfabeto romano, "I" é a nona letra do alfabeto português; e o restante não preciso dizer nada. Voltei para a barraca, e pensando ainda em tudo o que acontecera, me acomodei. A noite com minha namorada naquele dia foi boa, intensa, longa! E hoje estou aqui nessa sala de espera, acreditem, nove meses depois, aguardando minha esposa dar a luz ao nosso filho no nono andar da maternidade, quarto número nove. É, hoje é dia nove do mês seis, que é nove de cabeça para baixo... Que loucura.


Dudu Saavedra         09/06/2009       14:29h 


Epitáfio

Como sortir a vida de encantos, se quase sempre nos encontramos aos prantos? Esse momento de fatoração carnal e eis o maior dissabor da vida. Pois a diorese de um ente querido; ou até mesmo de um inimigo. Por mais que o coração não aceite o indivíduo, o momento se torna muito emulante. Só de pensar que viveremos com uma pessoa amada a menos.... Por que logo ele foi "o escolhido"? Uma pessoa tão especial para mim.... De fato, todos um dia iremos para um mesmo lugar, mas devemos elidir coisas fúteis de nossas vidas, sempre. A fim de vivermos mais e melhor. Passaremos por momentos como esses, mas precisamos ser muito fortes. Estropiar a carne e ratificar uma nova vida. Neste preito, quero dizer, o quanto foi especial para mim. E que vivas enquanto a vida não vale a pena. Pois quando novamente nos encontrarmos.... Seremos todos muito felizes. Você se foi.... Para dentro do meu coração.


Dudu Saavedra           11/02/2002          20:41h



Qualquer Coisa

É certo que o sol se põe para dar lugar a lua. As estrelas aparecem para contemplar a noite e dividir com ela a imensidão negra que as cobre. Abaixo dessa maravilhosa silhueta, os humanos se sentem confortáveis em pegar nas mãos do seu companheiro e caminhar na orla da praia às duas e dezenove da madrugada. Tentou imaginar a cena? Dois personagens distintos, ou você é um deles? Achou interessante? Eles se sentam na areia e em total silêncio abraçados, ouvem as ondas quebrando bem próximo. A água gelada às vezes toca os pés dos dois e o instinto humano de se encolher por causa do frio os deixa cada vez mais próximos. O pensamento viaja em momentos da vida e ao mesmo tempo estacionam no espetáculo da natureza bem ali à frente.

Indescritível é a sensação. Experimente... Alguns segundos depois simultaneamente se entreolham e fixam seus pensamentos e olhares no mesmo propósito. Impressionante é a sintonia de ambos, mesmo sem comunicação visível ou verbal. Dos olhos da moça corre uma única lágrima até o pescoço. O que será que aconteceu? Antes de iniciarem o diálogo, um beijo calmo e longo é o combustível para uma noite inesquecível. No final do beijo, a lágrima dá lugar a um dos mais belos sorrisos contemplados por um humano. O rapaz olha para o céu e como se estivesse falando com as estrelas, agradece e faz um pedido inaudível, porém perceptível aos olhos da moça. O que teria ele pedido? O que você pediria? Voltam a se beijar e a brisa fria os aproxima ainda mais a cada minuto. O clima frio e gostoso com uma boa companhia favorece uma longa conversa sobre futuro, perspectivas da vida sentimental. Conversa sempre interrompida por um beijo, um carinho, um gesto de pegar nas mãos da moça. Coisas as vezes muito simples para nós homens, mas que fazem uma diferença grande para elas. Entre um olhar e outro, entre uma prosa e outra a lua vai ficando cada vez mais forte no céu e a sua projeção mais próxima do mar. É imperceptível a hora passando. O corpo quente da moça dá lugar a um violão. Com alguns acordes dissonantes e um tom de voz bem sereno, uma música inspirada na menina ali na frente é tocada. O rapaz espera por uma reação da moça antes mesmo de terminar a canção ainda inacabada. Logo após o refrão, quando ele volta para primeira parte da música, é surpreendido com um movimento rápido e certeiro da menina que em segundos tira o instrumento das mãos dele, aproxima-se de seu rosto e a uma distância de quatro dedos olha dentro dos olhos do rapaz. O silêncio mais uma vez toma conta da noite e a aproximação dos lábios é inevitável e espontânea. Aos poucos vão se deitando sobre o lençol estirando na areia. O rapaz passa os dedos da mão por dentro dos cabelos da moça que de olhos fechados nesse momento passa a língua nos lábios. Está acompanhando a cena? Ela se deita no peitoral do rapaz que a acaricia e diz coisas bonitas no seu ouvido. Vira o corpo para o lado e deita com a cabeça nos braços do rapaz, como num travesseiro. Olhando para cima num ângulo de noventa graus em relação ao mar só vêem as estrelas. Como se estivesse com um controle remoto, o rapaz pensa em apagar um dos refletores da orla e o pensado acontece. As estrelas no céu parecem se multiplicar com a visibilidade melhor por conta da escuridão. A lua nesse momento está prestes a tocar o mar e formar aquele filete de luz na água como se fosse uma Estrada iluminada até o horizonte marítimo. Ao longe agora é possível se ouvir um murmúrio de alguns rapazes. Os olhares se estendem pela beira da praia e é possível ver um grupo de rapazes chegando para passar a noite na praia. Com eles, baldes, varas de pesca e uma bola de futebol. O vento começa a ficar mais forte e as ondas quebram cada vez mais fortes. O violão volta para a capa e a menina para os braços do rapaz.

A força do vento levanta a areia contra o corpo do rapaz que tenta proteger a moça. Um dos rapazes ao lado se aventura a entrar no mar e o casal se olha concordando que ele é louco. Ambos riem de leve e voltam a se beijar. O relógio não pára, mas a madrugada parece se estender para aquele jovem casal. Num determinado momento, o rapaz que até então acolhe a moça em seus braços, a deita sobre o lençol e vai até um quiosque. Volta de lá com água de coco e sanduíches para ambos. A menina pega nas mãos do rapaz; olha para ele e sorrindo o beija na testa. Fazem o lanche observando o desempenho da pesca e do futebol ao lado. O silêncio é absoluto mais uma vez. O mar parece estar mais calmo e a brisa já alcançou o seu clímax, de modo que não pode ficar mais frio. O rapaz novamente pega o seu violão e juntamente com alguns acordes, começa a assoviar. A menina olha como se conhecesse a música. O rapaz mantendo o olhar fixo no mar dá continuidade ao seu momento solo. É surpreendido com a voz da menina cantando a música que ele está tocando. O olhar fixo do rapaz é interrompido com a algazarra que os rapazes ao lado fazem por conta de um peixe grande que apanharam. A pesca parecia bem mais produtiva do que o bate bola. Quando o rapaz termina de tocar o violão, inesperadamente, mais uma vez num gesto rápido e certeiro a menina tira-lhe o instrumento das mãos, mas agora o apóia na perna e monta um acorde. Olha para o rapaz e pede a ele que faça silêncio. Ela toca a musica Heart Shaped Box do Nirvana. O rapaz fica perplexo com o que está ouvindo, mas não interrompe o desempenho da moça. A lua finalmente toca o mar e o cenário se tornaria perfeito se toda a silhueta não fosse interrompida por um barulho ensurdecedor de avião. Todos na beira da praia olham em volta e surge por detrás dos prédios um avião perdendo altura e indo de encontro ao mar. São noventa segundos de aflição até o avião colidir com o mar de forma sutil. O avião aparentemente não parece ter caído e sim pousado emergencialmente. Uma onda causada pelo impacto se aproxima da areia e acaba com a pescaria dos rapazes e quase chega a atingir o casal que tem tempo de recolher os seus pertences. Em alguns minutos o casal deixa a praia até então perfeita. O rapaz leva a menina em casa e dirigindo em direção a sua casa, não consegue esquecer a cena do avião caindo no mar. Pára para pensar que eles, juntamente com os rapazes que pescavam, foram testemunhas de um possível acidente e simplesmente se omitiram. Muda o seu percurso e volta na praia. No mesmo local, em frente ao mesmo prédio, olham a sua volta, os rapazes ainda estão a pescar, mas não tem nada no mar. Aproxima-se do grupo de rapazes e os mesmos entre si conversam em outro idioma. Confuso com o que vê, aproxima-se ainda mais do mar e não vê indício de nada, de nenhum acidente no local. O rapaz volta para casa perplexo com o que acabara de acontecer. Não conseguia distinguir o que era realidade do que poderia ter sido imaginação. Mas Suelem, sua nova namorada também testemunhara o ocorrido na orla naqueles momentos que antecederam a saída deles de lá.

Na manhã seguinte, depois de passar o restante da noite pensando no ocorrido, ele liga para a sua garota e questiona a respeito da noite anterior. Ela faz menção à praia e diz que foi a melhor noite que eles tiveram juntos, mas em nenhum momento relata o acidente. Relata também que gostaria de ter beijado o rapaz na noite anterior, porém lhe faltou coragem para tomar a iniciativa. Esperava que ele a tomasse. Bernardo não acredita no que ouve. Quando questionada, ela sorri e pergunta que tipo de brincadeira é essa. Bernardo então tenta se convencer de que o avião foi fruto de sua imaginação. Luta para acreditar nisso, mas alguma coisa dentro dele diz que o acidente aéreo foi real. Decidido a tirar a prova, ele sai de casa com o intuito de comprar os jornais locais. Se de fato fosse verdade, algum jornal relataria o ocorrido. Para a surpresa de Bernardo, não há relatos em nenhum jornal local, mas o rapaz ainda assim não se dá por satisfeito. Certamente em toda orla, mas alguém tinha visto o acidente.


Dudu Saavedra    31/01/2018     02:22h


O que é Sucesso?

Minha tentativa foi magnífica. Estou orgulhoso de mim mesmo. A fusão de mim mesmo com meu esforço foi válida. Falhei na tentativa; aceito isso, aceito o desgosto. Mas continuo orgulhoso e estimo a mim mesmo pela minha coragem. O que é sucesso? Quem avalia o seu valor, você ou a sua platéia? A quem você está tentando impressionar? Seus pais vivos ou mortos, o conjugue, os vizinhos, ou os parentes muitas vezes míticos para quem aprendeu a se vestir nas festinhas para não constranger a família?!

O mito, a brincadeira cruel perpreteada pelos nossos colégios, pelos meios de comunicação, pelas igrejas ou sinagogas, que indicam (algumas instituições referidas) o sucesso como um lugar, um status, uma coisa, um nível a ser alcançado, enfim, uma meta a ser atingida. Escolha uma carreira, estude e trabalhe nela até alcançar "sucesso". Então os outros o respeitarão e você será finalmente feliz... Ridículo! Ter sucesso significa ser autêntico para si mesmo. Entregar-se de corpo e alma à realização de um sonho, de um feito, e por fim poder dizer: "Eu dei o gás máximo que poderia ter dado, fiz o que tinha que fazer o que achava que devia fazer e não, jamais me arrependerei disso".

Pense se um dia você será uma pessoa de "sucesso" perante todas as pessoas de uma civilização? O nível mais alto que poderá alcançar na sua vida é a fama, e não sucesso. Sucesso é algo que você tem que sentir com você mesmo e estar sempre se auto-estimando para que essa paz de espírito de você para você mesmo, jamais passe. Não tente impressionar a ninguém mais do que você mesmo. Concentração e humildade estão acima de tudo. Eles são os pré-requisitos para alcançar o desempenho máximo.


Dudu Saavedra    14/05/1996     00:23h


A Paixão de Dois Astros

O Sol um dia reparou como a lua estava linda e começou a elogiá-la por demais, fazendo com que ela ficassse com a estima muito elevada. Daí surgiu a famosa "lua cheia" E a lua diante de tantos elogios, começou a admirar o sol de uma maneira diferente. Acabou por se apaixonar por ele e vice-e-versa. No pouco tempo que ficaram juntos, o homem conseguiu flagrar esse instante e o nomeou como "eclipse solar", ou seria o "eclipse lunar"? Bom... o que se sabe é que a lua por estar quase sempre acompanhada de estrelas, despertou um ciúme doentio no sol. Pois como um astro que rege um sistema inteiro, único, teria que se conformar em dividir o seu amor com inúmeras estrelas que não passavam de astros luminosos?

A lua muito vaidosa, falou ao sol que não abriria mão de suas fiéis companheiras da noite. E então o sol, notoriamente magoado começou a brilhar menos; deixando até que as nuvens o escondessem, pois estava morrendo de vergonha de ter perdido o amor da sua vida. Durante muito tempo, o sol se deitava por volta das cinco e meia da tarde, horário em que a lua estava se preparando para chegar, por volta das sete e meia da noite, para ter certeza de que não iria mais encontrar o sol. Porém, durante o tempo que ela "reinava" no céu, não pensava em outra coisa a não ser no sol. Quando o sol chegava no dia seguinte, ela ainda estava por lá, pois não conseguia se conter de encantos por ele. Mas era cada um no seu canto, e ela às vezes só ia embora mesmo depois das dez da manhã.

Quando não estava com vontade de vê-lo, ofuscava o brilho da noite e deixava suas companheiras sozinhas nesse céu tão imenso. E as suas companheiras só apareciam em grande quantidade, quando a lua estava muito feliz para poderem apreciá-la e quem sabe "furtar" um pouco do seu brilho. Mas quando a lua estava triste... Vinha mesmo só para não desapontar as suas amigas, mas ficava "minguante". De repente, jogava tudo para o alto e queria começar de novo. Tornava-se uma "lua nova". Ia crescendo, crescendo, brilhava "cheia" novamente e... lembrava do sol, aí minguava mais uma vez. O sol por sua vez, também muito impaciente, às vezes descarregava a sua incompreensão por parte da lua, nos habitantes de um planeta chamado Terra, fazendo com que as pessoas dali "derretessem de calor", calor que ele sentia quando estava com a lua. Muitas vezes escondia-se atrás das nuvens, em dias que não queria ver ninguém. A sua rival "chuva" aproveitava para desabafar toda a sua solidão. Determinada vez decidiu ajudar afim de se tornar mais amiga. Chegou e "regou" esse romance só para ver a Terra mais feliz. O sol resolveu tomar uma atitude radical...

Quem diria... até a chuva estava disposta a ajudar. Ele então resolveu reconquistar a lua. De tanto pensar nisso, começou a levantar-se um pouco mais tarde, mas para recompensar ficava até às sete e meia da noite no alto mais ou menos. O homem vendo todo esse interesse, empenho e determinação do sol em querer reconquistar a lua, arrumou um jeitinho de chamar essas "investidas" do sol em "horário de verão". A lua por sua vez, ainda não estava disposta a reatar o seu romance com o sol, mesmo gostando muito dele. O sol passou anos dedicando-se a essa reconquista, chegava a aparecer de surpresa em horários estranhos, horários em que o céu era da lua. O homem que sempre dependeu dele para se divertir, decidiu ajudá-lo mais uma vez e nomeou o momento como "o sol da meia-noite", que só existe em alguns lugares. Mas a lua... Nada! E o sol sempre tentando; era dedicado e muito persistente...

O sol pediu uma chance para a lua para tentar se redimir, e a lua depois de muito custo, a concedeu. E assim... mais um eclipse lunar estava sendo escrito na história do nosso planeta. Conversaram durante três ou quarto horas...

Dessa vez chegaram a um acordo. A lua explicou para o sol sobre as suas condições e diferenças e resolveram se tornar amigos. Embora o sol não tenha se conformado por inteiro em ser apenas seu amigo, concordou que seria melhor ter uma amizade do que uma saudade... Às vezes o sol, muito persistente ainda tenta um "xaveco" com a lua, que são os famosos "eclipses". Deus de vez em quando providencia algumas "flechas" como as de um cupido para apimentar esse romance tão belo. Partindo do homem são apenas "estrelas cadentes". Mas quando o sol e a lua ficarem juntos e finalmente se tornarem um só, não haverá mais a escuridão e todos nós teremos luz no coração. E no dia que isso acontecer, espero que a chuva fique feliz pelo fato de ter ajudado o sol a alcançar o seu objetivo maior. E que as estrelas até lá, tenha aprendido com a lua a terem todas, individualmente, luz própria para que cada uma brilhe em um cantinho do céu, com a lua no centro, muito, muito feliz. Cheia.

Dudu Saavedra     30/09/2004     10:20h


Um país chamado "Mesquinho"


Fico impressionado e extasiado com a ignorância da vossa nação. Nesse país chamado Brasil, tudo acontece de forma contrária à ética e moral dos bons costumes. Lê-se no jornal a seguinte matéria: "Final de Big Brother tem mais votos do que a eleição para o presidente da república!" Você que votou deve estar orgulhoso se o seu candidato foi o campeão. Pelo menos campeão do programa, pois na política, você que votou no atual presidente é o primeiro a jogar pedra no mandato do mesmo. Voltando ao Big Brother, o programa foi exibido em dezesseis países do mundo. Na Espanha, durante a segunda edição, a nação protestou contra a pouca vergonha e o mesmo saiu do ar antes mesmo de terminar. Na Holanda, fizeram um apenas com crianças de dez a doze anos. Todas superdotadas; e o programa saiu do ar por falta de audiência. Na mídia do país local, circulava a notícia que os diálogos entre as crianças eram de alto nível para os telespectadores. No Brasil, a pouca vergonha é campeã de audiência e a nação sustenta isso há oito edições. Os comentários nas ruas são inevitáveis de serem ouvidos. A mídia em cima dessa porcaria é enorme. Aliás, a mídia só nos mostra o que chama a atenção de um país subdesenvolvido. Nos Estados Unidos, uma brasileira é deportada por manter normas de vida desprezível. Aqui no Brasil ela é recepcionada no aeroporto como uma heroína! Centenas de repórteres buscando palavras e imagens de uma pessoa que num país de primeiro mundo é descartável! Impressionante como nesse país as desgraças e degradações humanas são mais atraentes do que qualquer outra coisa. Um país que é movido por um esporte que só enriquece a quem o pratica e aos cartolas que o dirigem. Movido por uma única época do ano. Flamengo e Mangueira; Vasco da Gama e Beija-flor; Botafogo e Imperatriz; Fluminense e Portela... Uma mistura de emoção, decepção e glória que move a nação, que interfere diretamente na comunhão das pessoas. Em tudo que se faz em nível de competição é possível manipular resultados; isso é ridículo! Competitividade é o lema da vida; a cortesia entre as pessoas é escassa e a diferença das classes sociais é cada vez maior. O pobre vai ser sempre pobre porque acostumou poder comprar um produto em dez vezes sem juros no carnê das Casas Bahia. O rico vai ser sempre rico porque na sua empresa, o único favorecido é ele mesmo. Será que ninguém percebe que precisamos um do outro? A classe mais favorecida precisa do operário para trabalhar para ela e um dia elevar o status da sua empresa. A menos favorecida precisa da outra para dar-lhe emprego e ter condições de vida. Vós sois UMA nação. Uma também no sentido numeral. O Brasil não é exemplo em nada! Ah... É o país pentacampeão mundial de futebol. Congratulações! Mas de que adianta produzirmos os melhores jogadores, apresentarmos o melhor futebol aqui e exportá-los para a Europa? O nosso exemplo poderia ser constante se os mantivéssemos jogando no país! Mas o dinheiro fala mais alto... No Brasil cheio de falsos dirigentes aproveitadores; é notório o interesse pela venda e a desvalorização quando se trata de defender a pátria. Sem querer fazer comparação, mas já fazendo, os Estados Unidos dedica parte de seu investimento em esporte na base da educação. Nas olimpíadas, nenhuma outra nação é párea para o império americano. E esse país chamado Brasil? Qual o exemplo que temos no cenário mundial se nossos atletas não sabem nem a letra do hino nacional? O de sermos o mais violento, o de termos mais comunidades carentes, o de escândalos políticos? Não sei quanto a você, mas eu tenho vergonha de dizer que sou brasileiro! Quando me perguntam, eu desconverso, digo que sou... Argentino! É menos vergonhoso se esconder atrás de uma outra pátria que certamente também tem seus defeitos, mas não se compara aos dos brasileiros. Aliás, nenhuma outra nação se compara a brasileira em determinados aspectos. Não posso me orgulhar de viver em um país onde os seres-humanos não se respeitam. Onde as mulheres freqüentam bailes e nos mesmos são chamadas de "cachorras" e se acham o máximo. Onde um Mc sei lá o quê... repete uma mesma frase desmoralizante timbrada numa batida musical diversas vezes e vira ídolo enquanto talentos vocais, compositores e escritores não tem a oportunidade de mostrarem seus trabalhos... Também, num país onde a falta de diálogo entre o patrão e empregado é predominante não se podia esperar tanto! Onde um jovem que estuda a vida inteira para ser alguém na vida, por falta de oportunidade se submete a viver com um trocado e um outro que só por que sabe jogar bola ganha milhões por ano. Falando em dinheiro... O "mesquinho" país em que vós viveis é o de moeda de menor valor na América Latina. Não por culpa do presidente, como se costuma ouvir; e sim por culpa de todos vós brasileiros. Uns vivem com um trocado que eles chamam de salário mínimo e outros se esbaldam em dólares. Daí o surgimento de trabalhos não regularizados; os famosos "bicos" que levam o trabalhador à exaustão. A vida "útil" humana é cada vez menor. O povo não tem condições de cuidar da saúde. Os órgãos públicos destinados a fazerem isso não funcionam... Essa palhaçada que eles chamam de "congresso..." Tudo que ouvimos em relação a horário é o "horário de Brasília...!" Sendo assim deveríamos cumprir o horário de Brasília... Segundas e sextas-feiras não trabalharíamos, assim como nossos políticos dirigentes... Esse é o exemplo que temos, que vemos... Salários fantasmas, trotes telefônicos, cadeia apenas para um tipo de "P". Pobre! O "P" de político é diferente... É regado à mordomias, a falsetes ideológicos. Um país mesquinho e preguiçoso.

Dudu Saavedra     23/04/2000    12:10h


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